Pastoreio #75

Discipulado, Moda ou Fundamento Bíblico?

O assunto discipulado tem ecoado em muitos países e denominações, nas mais diversas formas de se realizar, com particularidades de cada instituição, com ou sem livros de apoio, com um número determinado ou não de pessoas, nas casas ou em templos, enfim o ato de fazer discípulos tem sido uma das atividades da igreja na terra.

A grande questão sobre o discipulado é que alguns enxergam o fazer discípulos como uma estratégia para encher os templos, ou ainda, para ter fãs ou seguidores de um líder religiosos ou discipulador.

Pensar no discipulado como uma fórmula mágica para conquistar e manter pessoas em um segmento ou denominação é de fato a distorção do que Jesus orientou à sua igreja, o ide e fazei discípulos como escrito por Mateus.

Mateus 28.18-20

Resoluto, Jesus os instruiu: “Deus me autorizou a comissionar vocês: vão e ensinem a todos os que encontrarem, de perto e de longe, sobre este estilo de vida, marcando-os pelo batismo no nome tríplice: Pai, Filho e Espírito Santo. Vocês devem ensiná-los a praticar tudo que tenho ordenado a vocês. Eu estarei com vocês enquanto procederem assim, dia após dia após dia, até o fim dos tempos.”
(A Mensagem Bíblia em Linguagem Contemporânea – Ed. Vida)

O fato de falar sobre discipulado por si só, parece soar estranho, considerando que o fazer discípulo, orientado por Jesus, já deveria fazer parte do DNA da igreja, ou seja, a vida em movimento do corpo de Cristo já deveria ser naturalmente o fazer discípulo. Talvez pelo fato de nos últimos anos o assunto discipulado estar sendo mais comentado entre os cristãos, possa nos servir como um alerta, um reconsiderar sobre a razão da igreja, ou ainda, ter clareza que estamos falando do óbvio e que o óbvio também precisa ser dito, pois é provável que nem toda a igreja de Jesus tenha entendido o seu papel na terra.

Atualmente temos vastos materiais que abordam o discipulado, bem como a importância de se fazer discípulos de Jesus, seria o “chover no molhado”, considerando que na bíblia está bem claro a ordem de Jesus, mas que provavelmente algumas instituições andaram ocupadas demais com outras atividades que talvez não tenham muita ligação com a ordem de Jesus.

O mundo é marcado por modas que surgem e somem, que são abraçadas pelas pessoas e que em outro momento são desprezadas, chamemos esse movimento de modismo, ou seja, que serve para um determinado tempo e propósito.

Em sentido oposto ao modismo, a ordem de Jesus sobre o ide e fazei discípulos, requer da sua igreja uma ação contínua, ou seja, nunca o ide e fazei discípulos de Jesus poderá sair de “moda”, considerando que é uma tarefa essencial não somente para a propagação do evangelho, mas da consolidação dos seguidores de Jesus Cristo.

Penso que a igreja que não tenha como objetivo central da sua missão o fazer discípulo, não terá êxito em fazer a vontade de Cristo, e não se trata de uma estratégia para atrair e manter as pessoas, mas de levá-las a Jesus ajudando-as a optarem pelo evangelho, permanecendo em Cristo mesmo diante das lutas que a vida apresenta.

Acredito que não podemos resumir o discipulado a uma mera reunião ou encontro para escutar as pessoas, penso que o evangelho fornece ao discipulado as colunas necessárias para que as pessoas sejam não somente instruídas, mas fortalecidas pelas promessas e poder de Deus.

A exemplo do que Jesus fez com os seus discípulos, nós a sua igreja, precisaremos nos espelhar e fazer também. Jesus não somente ensinou, mas esteve junto nos momentos de alegrias e tristezas das pessoas, foi empático a ponto de chorar, de se importar e ajudar, Ele não somente atraia uma multidão por onde passava, mas também gerou discípulos que pregaram as boas novas, se importaram com as pessoas e geraram outros discípulos do Mestre. No processo discipular existem algumas variáveis que juntas compõe, a meu ver, um discipulado mais perto do que Jesus fez e espera da sua igreja.

Essas variáveis são: o ensino da palavra de Deus, o estabelecimento de um adequado vínculo/comunhão com as pessoas, sempre disposto a ajudar/servir essas pessoas, se importando com elas através de ligações telefônicas, realizando visitas em seus lares, orando por elas, ajudando-as na sua vivência de fé, sendo ouvinte e conselheiro, em todo o tempo se mostrando acessível para auxiliar os discípulos de Jesus em suas questões ao longo da vida.

Um outro ponto importante que acredito valer a pena trazer aqui é que devemos fazer discípulos de Jesus, ou seja, o modelo a ser seguido e copiado deve ser sempre o de Jesus Cristo, ao invés de tentarmos fabricar nos outros réplicas nossas.

Em um mundo cujo exibicionismo e a satisfação pessoal está em alta, podemos considerar que negar a si mesmos e carregar a cruz, tem sido uma tarefa extremamente desafiadora, entretanto, acredito que o discipulado nos ajude a não somente entender a importância da morte do eu e vida para Cristo, mas também nos auxilie através do diálogo a enxergar a nossa humanidade, bem como a lidar melhor com os nossos temores. O discipulado não pode ser um tribunal onde os castigos ou penas são distribuídos aos “pecadores”, pois todos, discipulador e discípulos, estão na mesma condição de errantes, dependentes do favor e misericórdia de Deus, da graça revelada em Jesus.

O modelo original deverá sempre ser Cristo, nossa fé e caminhada, nossas ações precisam estar alinhadas aos exemplos de Jesus, sendo assim, penso que não temos como ser seguidores de Jesus de fato se não buscarmos imitar a Ele, como bem disse o apóstolo Paulo (1 Coríntios 11.01), “sede meus imitadores, como também eu de Cristo”, ou seja, não existe um modelo paralelo, antes, todo padrão de caráter e comportamento para os cristãos, devem ter como modelo o exemplo de Jesus.

O discipulado não tem o objetivo de promover e estabelecer pessoas sobre as outras, como dominadoras, mas tem o objetivo de forjar as pessoas segundo o exemplo de Cristo, o nosso ego não pode ser alimentado pelo discipulado, antes, porém, precisa ser confrontado, desafiado e modificado segundo a vontade de Deus.

A arte de discipular pessoas, a meu ver, forja tanto quem discipula, bem como quem é discipulado, o processo discipular, abaixo de Cristo, não nomeia ou rotula super crentes, mas através da sua palavra, o Senhor nos faz ver a nossa humanidade frágil nos levando a perceber o quanto precisamos depender Dele para podermos ter êxito.

Lembrando que o Senhor escolhe pessoas falhas, frágeis, e as dota com os seus dons e as ajuda com a sua graça, para que possam cumprir os propósitos Dele. Em consonância com esse pensamento, de ser confrontado e transformado para poder servir, Phillips (2008, p.19), escreve que, “discípulo é o aluno que aprende as palavras, os atos e o estilo de vida de seu mestre com a finalidade de ensinar outros.”

A mudança de vida para os que se entregam a Cristo, é imprescindível, ter uma nova vida é a marca de conversão visível, penso que o discipulado contribui de modo importante no processo de mudança da nossa vida.

Recorte – Quais os contrastes entre o modismo e o fundamento bíblico?

Quando falamos em moda ou modismo, podemos compreender que se trata de algo interino, provisório e que pode a qualquer momento deixar de ser seguido ou praticado, mas o discipulado ordenado por Jesus não nos dá essa opção, ele é contínuo e para o tempo todo até a volta do Mestre.

A moda possibilita a escolha ou não, entretanto o discipulado não nos permite essa escolha, aliás não é uma opção, antes, uma missão que todos os que são de fato cristãos precisam encarar com seriedade. Segundo MacDonald (2009, p.12), “o Salvador não está procurando homens e mulheres que lhe deem apenas as noites de folga, os fins de semana ou os anos da aposentadoria. Em vez disso, ele busca aqueles que lhe darão o primeiro lugar de sua vida.”

Uma coisa é tomar partido de um movimento, adotar uma estratégia que talvez sirva para um momento em dada situação, outra coisa bem diferente é se empenhar em todo tempo em realizar o que Jesus deixou como exemplo para a sua igreja, anunciar as boas novas, acompanhar a pessoas com orientação bíblica e amor, até que essas pessoas possam reproduzir outros discípulos de Jesus.

As propostas sedutoras de alguns autores, com as suas técnicas e estratégias prometendo crescimentos estrondosos às denominações, podem até parecer cumprir os objetivos do discipulado, mas não passam de programas ou atividades com certa duração e que não conseguem cumprir o objetivo em sua plenitude, ou seja, ajudando os novos cristãos até que esses deem seus próprios frutos dignos de Jesus Cristo.

O modismo se contenta com o aqui agora e é temporal, mas o discipulado de Jesus trata da obra a curto, médio e longo prazo, não se contenta com nada menos que a eternidade, por isso o foco está em, Mateus 28.18-20, na ordem de Jesus e as ações são contínuas “indo pelo caminho, por onde passarem, anunciem as boas novas, batizem e ajudem até que cheguem à maturidade espiritual.”

Segundo MacDonald (2009, p.29), o cristão precisa cuidar “[…] para não gastar sua vida fazendo aquilo que um homem inconverso também pode fazer. Deixe que os espiritualmente mortos sepultem os fisicamente mortos. Quanto a você, porém, seja indispensável. Que o principal propósito de sua vida seja expandir minha obra na terra.”

Como poderemos expandir a obra de Deus na terra, se não escolhermos a forma como Jesus nos orienta, será que teremos êxito, ou ainda, se distorcermos a forma como Jesus orientou será que o resultado será o que Ele planejou?

O modismo tem como um dos objetivos oferecer respostas para os anseios humanos, ou ainda, estimular ou influenciar as pessoas pensarem e agirem de determinado modo, geralmente nutrido pela ideia de uma pessoa, grupo de pessoas, corporação seja ela de qual segmento for.

O discipulado por sua vez, nos tira da nossa zona de conforto, nos levando a dar passos em direção ao padrão de santidade e caráter de Deus, sobre esse contraste entre a nossa vontade e a vontade de Deus, MacDonald (2009, p.50), escreve que “a carne não deseja assumir a posição de completa dependência em um Deus invisível. Ela procura gerar um colchão de amortecimento contra possíveis perdas.”

Quando falamos de discipulado, precisamos ter a clareza que dentro do processo discipular temos ações biblicamente fundamentadas tais como, orando uns pelos outros, suportando uns aos outros, perdoando uns aos outros, confessando as culpas uns aos outros, amando uns aos outros como a si mesmos, fazendo o bem uns aos outros, não invejando, tendo Jesus como modelo ímpar para seguir.

O discipulado vai além de um método, modelo, na verdade se trata de uma nova vida em Cristo Jesus, Phillips (2008, p.20), ressalta que “o chamado de Cristo para o discipulado é um chamado para a morte de si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa, este a salvará (Lc. 9.23,24).”

Diferentemente de um modismo que é passageiro, a orientação de Jesus sobre o fazer discípulos tem endereço certo, as nações, e modelo único o exemplo de Jesus. Segundo Lidório (2014, p.167), “fazer discípulo na própria demonstração de vida e ministério de Jesus, implica desenvolver relacionamentos, caminhar de forma mais ou menos prolongada com alguém e apresentar-lhe as verdades de Deus. A proposta é que isto aconteça entre “todas as nações”, demarcando a amplitude da vida e da ação da igreja. Jesus espera que façamos entre as nações o que ele fez com os seus discípulos.”

Geralmente os movimentos e modismos, além de serem passageiros, acabam nutrindo egos inflamados, ávidos por satisfação pessoal, as vezes servem para projetar celebridades do meio religioso.

Para Phillips (2008, p.39) “alguns cristãos têm procurado entrar no nosso ministério de discipulado com a condição de que seus talentos sejam utilizados. Mas tal perspectiva é uma negação da morte de si mesmo e demonstra que seus valores estão distorcidos. A principal ocupação dos discípulos deve ser que seu caráter seja construído e multiplicado.”

No Brasil já fomos anfitriões de muitos movimentos religiosos, oriundos de outras nações, os modismos religiosos vieram e se foram, mas a palavra de Deus continua sendo a mesma, a ordem de Jesus não mudou, façam discípulos por onde passarem, ajudem as pessoas a terem o meu caráter nelas, a seguirem os princípios de Deus em suas vidas.

Um modismo geralmente encanta, mas não tem a influência necessária para contribuir com o processo de conversão a Cristo, pois está desconexo com a ordem de Jesus, pois geram frutos que não suportarão o “sol escaldante” da vida, mas somente o evangelho, o exemplo de Jesus, as suas orientações, bem como a ação do Espírito Santo podem de fato preparar as pessoas para que nos dias maus possam resistir firmes em Cristo.
A receita é simples, se queremos de fato obedecer a Jesus e fazer discípulos, basta observarmos a vida que Ele teve na terra e como Ele fez a sua obra, segundo Phillips (2008, p.38), “um exame cuidadoso do ministério de Cristo revela que, entre as virtudes que caracterizavam sua vida, quatro qualidades destacavam-no de todas as demais pessoas do Filho unigênito de Deus: obediência, submissão, amor e oração.”

O Senhor não geraria filhos(as) e os abandonaria a própria sorte, antes, porém, Ele zela por eles, os alimentando, protegendo, cuidando, ajudando em tudo que for necessário, essa mesma dinâmica Jesus estabeleceu à sua igreja, sejam discipuladores, não gerem apenas, antes, cuidem e acompanhem até que os discípulos estejam prontos a ponto de gerarem novos discípulos.

Precisamos levar a sério o discipulado, pois a ordem dada por Jesus para fazermos discípulos não foi para uma época somente, a ordem é atemporal, até que o Mestre volte, então, a igreja precisa arregaçar as mangas e trabalhar com afinco para que o resultado seja o desejado pelo Senhor, vidas libertas e fortalecidas que gerarão novos discípulos.

Ponto de Contato >>>

Querer discipular nos dará muito trabalho, queremos ter esse trabalho?

Argumentação >

Penso que discipular pessoas dá muito trabalho, não é por acaso que muitos discipuladores acabam por desanimar e abandonar o processo discipular, pois exigirá não somente tempo, amor, preparo bíblico, mas também uma dose considerável de resiliência, perseverança e dedicação.

Se pensarmos o discipulado a partir de uma pergunta do tipo, será que terei ganho, será que o discipulado será capaz de gerar em minha igreja pessoas fiéis à liderança, ou ainda, será que depois de formadas, essas pessoas ficarão conosco ou irão servir em outras denominações, certamente não faremos discípulos, até porque a motivação está distorcida, consequentemente correremos o risco de não seguirmos com a ordem de Jesus, fazer discípulos Dele para a glória Dele e para o reino Dele.

A não dedicação em fazer discípulos denuncia a nossa falta de comprometimento com Cristo e com a missão do reino de Deus, gastar as nossas energias em outra pauta que não a de fazer discípulos, é no mínimo estranha, para não dizer que é um ato de insubmissão e até rebeldia por parte dos cristãos.

Não podemos nos esquecer que o mesmo Senhor que nos chamou para o seu reino, também nos deu uma missão, dons e talentos que, em seu devido tempo seremos cobrados, nesse dia de nada nos adiantará entregar ao Criador o que Ele não nos ordenou como missão.

Precisamos fazer discípulos pelo motivo certo, com a motivação correta, sem interesses espúrios que não glorificam a Deus, bem como não melhoram as pessoas, não mudam suas vidas, não os ajuda a parecerem mais com o exemplo de Jesus.

Um grande perigo para a igreja de Cristo é ser seduzida pelo ativismo religioso, pelas inúmeras e as vezes enfadonhas reuniões que fornecem “petiscos” às pessoas, que buscam trazer meros frequentadores e clientes, ao invés, de fornecerem a comida sólida, a palavra de Deus que, de fato liberta e molda as pessoas segundo o plano salvífico de Deus.

Não basta estar no templo, fazer uma atividade ou ser um crente denominacional, precisamos compreender o que Jesus está requerendo da sua igreja e obedecer para que a ação de Deus seja plena e o resultado perfeito, como Perfeito é o Senhor.

Para se pensar…

O que de fato nós queremos como igreja de Cristo é fazer discípulos de Jesus ou aumentar o número de membros em nossa denominação? Queremos destacar a nossa Instituição ou contribuir com a expansão do reino de Deus?

O discipulado não pode ser visto como mais um programa em que os objetivos sejam meramente o crescimento numérico, novidade, atividade ou ativismo, ou ainda, fazer o que outras igrejas fazem, ou seja, não podemos ficar para trás das “concorrentes”.

Nossa decisão em seguir a ordem de Jesus e fazer discípulos, implicará em mudanças radicais em nossas vidas, ou seja, o primeiro a ser transformado nesse processo seremos nós mesmos, por isso, precisamos analisar se estamos dispostos a negar a si mesmos, antes de orientar os outros a negarem a si mesmos.

 

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2021 – O Ano do Discipulado
de uma igreja bíblica e relevante

Pastor Ronildo Queiroz
Serviçal da Igreja de Jesus Cristo

 

Referências

Referências

LIDÓRIO, R. Sal e Luz: compreendendo, vivendo e praticando a missão. Revisão: Rita Leite. Belo Horizonte: Betânia, 2014.

MACDONALD, W. O discipulado verdadeiro. Traduzido: Emirson Justino. 2. ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

PHILLIPS, K.W. A formação de um discípulo. Tradução: Elizabeth Gomes. 2. Ed. ver. e atual. – São Paulo: Editora Vida, 2008.